Jesus, Parábolas

Não vim trazer a paz, mas a espada

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Foi mesmo Jesus, a personificação da doçura e da bondade, ele que não cessava de pregar o amor do próximo, quem disse estas palavras: Eu não vim trazer a paz, mas a espada?

Essas palavras não estão em flagrante contradição com o seu ensino? Não é uma blasfêmia atribuir-lhe a linguagem de um conquistador sanguinário e devastador? Não, não há blasfêmia nem contradição nessas palavras, porque foi ele mesmo quem as pronunciou, e elas atestam a sua elevada sabedoria. Somente a forma, um tanto equívoca, não exprime exatamente o seu pensamento, o que provocou alguns enganos quanto ao seu verdadeiro sentido.

Tomadas ao pé da letra, elas tenderiam a transformar a sua missão, inteiramente pacífica, numa missão de turbulências e discórdias, conseqüência absurda, que o bom senso rejeita, pois Jesus não podia contradizer-se.

Toda idéia nova encontra forçosamente oposição, e não houve uma única que se implantasse sem lutas.

Jesus vinha proclamar uma doutrina que minava pelas bases a situação de abusos em que viviam os Fariseus, Escribas e os Sacerdotes do seu tempo. Por isso o fizeram morrer, julgando matar a idéia com a morte do homem. Mas a idéia sobreviveu, porque era verdadeira; desenvolveu-se porque estava nos desígnios de Deus.

Observe-se que o Cristianismo apareceu quando o Paganismo declinava, debatendo-se contra as luzes da razão. Convencionalmente ainda o praticavam, mas a crença já havia desaparecido, de maneira que apenas o interesse pessoal o sustinha. O erro lhe é proveitoso e por isso a ele se aferra, e o defende.

Sócrates não formulara também uma doutrina, até certo ponto, semelhante à do Cristo? Por que, então, não prevaleceu naquela época, no seio de um dos povos mais inteligentes da terra? Porque os tempos ainda não haviam chegado. Ele semeou em terreno não preparado: o Paganismo não estava suficientemente gasto. Cristo recebeu a sua missão providencial no tempo devido. Nem todos os homens do seu tempo estavam à altura das idéias cristãs, mas havia um clima geral de aptidão para assimilá-las, porque já se fazia sentir o vazio que as crenças vulgares deixavam na alma. Sócrates e Platão abriram o caminho e prepararam os Espíritos.

Os adeptos da nova doutrina, infelizmente, não se entenderam sobre a interpretação das palavras do Mestre, na maioria veladas por alegorias expressões figuradas. Daí surgirem, desde o princípio, as numerosas seitas que pretendiam, todas elas, a posse exclusiva da verdade, e que dezoito séculos não conseguiram por de acordo.

Os cristãos vencedores do Paganismo passaram de perseguidos a perseguidores. Foi a ferro e fogo que plantaram a cruz do cordeiro sem mácula nos dois mundos. É um fato comprovado que as guerras de religião foram mais cruéis e fizeram maior número de vítimas que as guerras políticas, e que em nenhuma outra se cometeram tantos atos de atrocidade e de barbárie.

Seria a culpa da doutrina do Cristo? Não! A responsabilidade não é da doutrina de Jesus, mas daqueles que a interpretaram falsamente, transformando-a num instrumento a serviço das suas paixões. Daqueles que ignoraram estas palavras: O meu Reino não é deste mundo.

Quando Jesus disse: Não penseis que vim trazer a paz, mas a divisão – seu pensamento era o seguinte:

“Não penseis que a minha doutrina se estabeleça pacificamente. Ela trará lutas sangrentas, para as quais o meu nome servirá de pretexto. Porque os homens não me haverão compreendido, ou não terão querido compreender-me. Os irmãos, separados pelas suas crenças, lançarão a espada um contra o outro, e a divisão se fará entre os membros de uma mesma família, que não terão a mesma fé. À guerra sucederá a paz; ao ódio dos partidos, a fraternidade universal; às trevas do fanatismo, a luz da fé esclarecida.”

Aquelas palavras de Jesus devem ser entendidas, portanto, como referentes à cólera que, segundo previa, a sua doutrina iria suscitar; aos conflitos momentâneos, que surgiram como conseqüência; às lutas que teria de sustentar, antes de se firmar, como aconteceu com os hebreus antes de sua entrada na Terra Prometida; e não como um desígnio premeditado, de sua parte, de semear a desordem e a confusão. O mal devia provir dos homens, e não dele. A sua posição era a do médico que veio curar, mas cujos remédios provocam uma crise salutar, revolvendo os humores malignos do enfermo.

 

Fonte: extraído do livro “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, de Allan Kardec.

 

 

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