Como houvesse o Senhor recomendado nas instruções do dia muita cautela no julgar, a conversação em casa de Pedro se desdobrava em derredor do mesmo tema.
– É difícil não criticar – comentava Mateus, com lealdade -, porque, a todo instante, o homem de mediana educação é compelido a emitir pareceres na atividade comum.
– Sim – concordava André, muito franco -, não é fácil agir com acerto, sem analisar detidamente.
Depois de vários depoimentos, em torno do direito de observar e corrigir, interferiu Jesus sem afetação:
– Inegavelmente, homem algum poderá cumprir o mandato que lhe cabe, no plano divino da vida, sem vigiar no caminho em que se movimenta, sob os princípios da retidão. Todavia, é necessário não inclinar o espírito aos desvarios do sentimento, para não sermos vitimados por nós mesmos. Seremos julgados pela medida que aplicarmos aos outros. O rigor responde ao rigor, a paciência à paciência, a bondade à bondade…
E, transcorridos alguns instantes, contou:
– Quando Israel vivia sob o governo dos grandes juízes, existiu um magistrado austero e violento, em destacada cidade do povo escolhido, que imprimiu o terror e a crueldade em todos os serventuários sob sua orientação. Abusando dos poderes que a lei lhe conferia, criou ordenações tirânicas para a punição das mínimas faltas. Multiplicou infinitamente o número dos soldados, edificou muitos cárceres e inventou variados instrumentos de flagelação.
O povo, asfixiado por estranhas proibições, devia movimentar-se debaixo de severa fiscalização, qual se fora rebanho de bravios animais. Trabalharia, descansaria e adoraria o Senhor, em horas rigorosamente determinadas pela autoridade, sob pena de sofrer humilhantes castigos, nas prisões, com pesadas multas de toda espécie.
Assim foi que, certa feita, dirigindo-se o magistrado, alta noite, à casa de um filho enfermo, foi aprisionado, sem qualquer consideração, por um grupo de guardas bêbedos e inconscientes que o conduziram a escura enxovia que ele mesmo havia inaugurado, semanas antes. Não lhe valeram a apresentação do nome e as honrosas insígnias de que se revestia. Tomado por temível ladrão, foi manietado, despojado dos bens que trazia e espancado sem piedade, afirmando os sentinelas que assim procediam, obedecendo às instruções do grande juiz, que era ele próprio.
Somente no dia imediato foi desfeito o equívoco, quando o infeliz homem público já havia sofrido a aplicação das penas que a sua autoridade estabelecera para os outros.
O legislador atribulado reconheceu, então, que era perigoso transmitir o poder a subalternos brutalizados e ignorantes, percebendo que a justiça construtiva e santificante é aquela que retifica ajudando e educando, na preparação do Reinado do Amor entre os homens.
Desde a singular ocorrência, a cidade adquiriu outro modo de ser, porque o juiz reformado, embora prosseguisse atento às funções que lhe competiam, ergueu, sobre o tribunal, a benefício de todos, o coração de pai compreensivo e amoroso.
O Mestre concluiu:
– Somente aquele que aprendeu intensamente com a vida, estudando e servindo, suando e chorando para sustentar o bem, entre os espinhos da renúncia e as flores do amor, estará habilitado a exercer a justiça, em nome do Pai.
Fonte: extraído do livro “Jesus no Lar”, de Francisco Cândido Xavier, pelo espírito Neio Lúcio. Federação Espírita Brasileira.
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